Do conserto de rádio ao ensino na USP: o professor que ajudou a criar o curso de Engenharia Elétrica em São Carlos
30 de maio de 2018
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Délio foi um dos fundadores do SEL. Foto: Arquivo pessoal
Délio foi um dos fundadores do SEL

 

Depois de muito esforço e estudo, a missão foi cumprida pelo então adolescente Délio Pereira Guerrini. Mas, o conserto do rádio foi apenas uma amostra da capacidade do jovem na área. O feito aparentemente simples serviu de combustível para ele seguir a carreira que sempre sonhou, e o seu talento, que o acompanhou durante toda a vida, ainda continua se perpetuando. Talento esse que foi incansavelmente disseminado na USP, onde Délio foi professor por 30 anos. Nesse período ele ajudou a criar e consolidar o local onde compartilhava todo seu conhecimento: o Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL) da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC).

 

Quando jovem, Délio trabalhava em um posto de gasolina em Piracicaba e foi justamente no horário de serviço que sua relação com São Carlos começou depois de atender o professor Marcius Giorgetti do Departamento de Hidráulica da EESC que passara por lá para encher o tanque de seu veículo. O atual docente ainda era aluno na época, cursava Engenharia Civil na USP, e incentivou Délio a ir para São Carlos estudar. Resultado: convite aceito!

 

Como o curso de Engenharia Elétrica ainda não havia sido criado, Délio se formou em Engenharia Mecânica em 1966, mas carregando sempre a vontade de atuar na área que desde infância lhe encanta. Convidado pelo professor Morency Arouca, então diretor da EESC, aceitou o desafio de atuar na elaboração do SEL para que fosse oferecido o curso de Engenharia Elétrica na USP em São Carlos e, a partir de 1969, o primeiro passo se consolidou com a implantação do Departamento. Já no ano seguinte foi realizado o primeiro vestibular para interessados no curso, que contou com 20 vagas disponíveis. Ao final da graduação, os alunos poderiam escolher entre duas ênfases: eletrotécnica e eletrônica.

 

Um ano após concluir a graduação, Délio começou a dar aulas e com a nova atividade surgiu uma outra paixão: a produção de livros acadêmicos. “Ele sempre foi uma pessoa muito ligada ao ensino de graduação e se importava demais com os alunos”, conta Fábio Guerrini, filho de Délio e professor do Departamento de Engenharia de Produção da EESC.

 

Délio escreveu vários livros acadêmicos
Délio escreveu vários livros acadêmicos

 

Depois de produzir algumas apostilas aos alunos, o engenheiro mecânico deslanchou a escrever livros. São quatro no total: o primeiro, intitulado “Instalações Elétricas Prediais”, é utilizado por alunos do curso de Engenharia Civil. A segunda obra do especialista leva o nome de “Eletrotécnica Aplicada e Instalações Industriais”, tema de disciplina que Délio ministrou por muito tempo no curso de Engenharia Elétrica. “Eletricidade para Engenharia” foi escrito a partir de uma apostila que ele havia produzido. Seu quarto e último livro é o “Iluminação – Teoria e Projeto” que traz um conteúdo direcionado a alunos do curso de arquitetura, para quem ele também lecionou. “Meu pai dizia que ser professor é dar aula, fazer pesquisa e também escrever livro”, revela Fábio.

 

Conhecimento dentro e fora de casa – O filho de Délio não aprendeu apenas em casa, mas na USP também. Isso porque Fábio foi aluno do pai durante sua graduação em Engenharia Civil na EESC. “Ele era muito prático nas aulas e sempre direcionava as disciplinas para a realização de projetos”, conta o docente.

 

Mas quem acha que Fábio tinha moleza com o pai está enganado: “Uma vez tirei cinco em uma prova e precisava me sair bem no próximo teste. Quando a nota do novo exame foi divulgada, perguntei ao meu pai se eu havia ido bem e ele respondeu que era para eu checar no quadro de avisos igual os outros estudantes. Em sala de aula a nossa relação era de aluno-professor”, afirma o engenheiro civil.

 

Fábio Guerrini aprendeu dentro e fora de casa com o pai
Fábio Guerrini aprendeu dentro e fora de casa com o pai

 

Além de adorar ensinar e compartilhar conhecimento, Fábio conta que Délio era muito rígido quanto às normas da Engenharia e era conhecido por solicitar muitos livros à Biblioteca da EESC sobre as regulamentações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

 

Apesar de rigoroso em alguns aspectos, Délio era uma pessoa bem-humorada, o que facilitava a aproximação de todos. “Ele sempre foi muito amigável, um professor de fácil convivência e ótima relação com os estudantes”, conta José Marcos Alves, professor do SEL desde 2004 e ex-aluno de Délio na disciplina Instalações Elétricas.

 

O docente também ressalta a importância de seu antigo professor ao Departamento: “Ajudou a criá-lo e o consolidou”, relembra. O comportamento tranquilo de Délio é um dos valores mais preciosos que seu filho carrega até hoje: “Meu pai sempre foi muito conciliador, prezava pela boa conversa com todos. Tento trazer isso comigo”, diz Fábio.

 

Quem também se lembra muito bem do engenheiro mecânico é o professor Carlos Goldenberg, docente do SEL desde 1976 e que também teve aulas com o ex-professor. “Ele foi pioneiro em muitas ações”, conta o professor. Délio ajudou a desenvolver toda a estrutura acadêmica do curso de Engenharia Elétrica, desde a consolidação de novas disciplinas até a contratação de mais professores. Segundo Goldenberg, não havia muitos profissionais no início do SEL e boa parte dos docentes era de outra cidade.

 

Os professores José Marcos (à esquerda) e Carlos Goldenberg foram alunos de Délio
Os professores José Marcos (à esquerda) e Carlos Goldenberg foram alunos de Délio

 

Reconhecimento – Em 2017, Délio foi homenageado durante o Workshop sobre Ensino de Eletrônica Analógica, realizado no Anfiteatro Armando Toshio Natsume do SEL. Confira aqui trecho do vídeo gravado no evento em que o antigo docente recebe a homenagem do Departamento (a partir de 11min e 50seg).

 

Questionado sobre como descreveria Délio aos novos alunos de Engenharia Elétrica da EESC, Goldenberg disse: “Eu diria que professores como ele são difíceis de encontrar nos dias de hoje, aquele profissional que os alunos procuram para tirar dúvidas acadêmicas e pessoais. Essa é uma medida do quão importante um docente é na vida do estudante. Com certeza ele era uma pessoa que trazia felicidade por onde passava”.

 

Délio foi duas vezes chefe do SEL, de 1975 a 1977 e de 1980 a 1981. Também coordenou o Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica da EESC entre 1973 e 1975 e foi presidente da Comissão de Graduação da Escola de 1980 a 1982 e de 1993 a 1995. Foi um dos primeiros no Brasil a trabalhar com motores lineares, área em que defendeu seu doutorado. Délio faleceu no último dia 7 de abril, em São Carlos, com a certeza de ter deixado um enorme legado a todos com quem conviveu e aos que ainda vão partilhar de seu conhecimento.

 

Informação

Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da EESCTelefone: (16) 3373-8740E-mail: comunica.sel@usp.br

 

Por Henrique Fontes da Assessoria de Comunicação do SEL


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