Da USP São Carlos às pesquisas espaciais, a trajetória de quem desenvolve satélites
24 de novembro de 2021
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Dia 28 de fevereiro de 2021, à 1h54 (horário de Brasília), o Centro de Lançamento Satish Dhawan Space Centre, na Índia, lançava ao espaço o Amazonia-1. Ele é o primeiro satélite de observação da Terra totalmente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil. O equipamento fornecerá imagens para atender ao monitoramento da região costeira, reservatórios de água, desastres ambientais e estará à disposição da comunidade científica, órgãos de governo e empresas.

O satélite foi desenvolvido nos laboratórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o órgão foi criado em 1961 para realizar atividades e estudos desde a origem do Universo a aplicações da ciência, como nas questões de desflorestamento das matas. O instituto é um centro de referência internacional em pesquisas de ciências espaciais e atmosféricas, engenharia espacial, meteorologia, observação da Terra por imagens de satélite e estudos de mudanças climáticas.

São centenas de colaboradores que trabalham diariamente para expandir a capacidade científica e tecnológica do Brasil, e muitos deles são formados na USP em diferentes áreas e unidades de ensino. Um grupo vem da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) de São Carlos.

Eles acompanharam desde o desenvolvimento do primeiro satélite brasileiro lançado em 1993, o SCD1, ao último, o Amazonia-1. O Jornal da USP conversou com alguns desses profissionais para contar como é trabalhar em um polo avançado de tecnologia e, principalmente, desenvolvendo satélites.

“Em 1982, o governo brasileiro decidiu construir o primeiro satélite brasileiro. Lembro do aviso na USP em São Carlos recrutando profissionais. Naquela época, não havia concurso, era análise de currículo e entrevistas; foram contratados 250 engenheiros das melhores escolas do País”, lembra José Sérgio Almeida.
Amazonia-1, primeiro satélite projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil - Foto: Divulgação/Inpe

Formado na EESC naquele ano, o engenheiro mecânico estava no grupo e lembra que o ensino da área espacial era escasso, por isso foi necessário capacitar os profissionais. Ele ficou um ano no Canadá para participar de treinamento em montagem e teste de satélites. Esse seria o primeiro de muitos realizados em diferentes agências espaciais no mundo. Desde 1991, ele representa o Brasil em um grupo de trabalho internacional, coordenado pela Nasa, para discutir as situações de segurança nos testes de voos.

“A área espacial é muito delicada porque não se pode fazer recall se algo não der certo. Lançou o satélite e não tem como consertá-lo, o projeto precisa ser robusto com probabilidade de falha quase zero”, explica o engenheiro José Sérgio. Os testes são fundamentais para que a chance de falha ocorra no laboratório e não no espaço.

Ele trabalha na área de teste de voo de satélite, que são câmeras de vácuos que simulam a condição do espaço. O teste ocorre com o satélite já montado antes do lançamento.

 


Engenharia de satélites

O Inpe participa do Programa Espacial Brasileiro desenvolvendo satélites. Eles são divididos em duas famílias principais: a dos Satélites de Coletas de Dados, os SCDs, com 100% de tecnologia nacional; e a dos Satélites Sino-brasileiros de Recursos Terrestres, os CBERS, em cooperação com a China.

Os satélites ajudam a monitorar o tempo e o clima no nosso País. Eles coletam dados sobre a formação de nuvens, luzes das cidades, queimadas, efeitos da poluição, tempestades de raios e poeira, limites das correntes oceânicas etc. Os CBERS são mais voltados para o monitoramento do território, eles carregam câmeras que registram imagens com diferentes resoluções espaciais. O Amazonia-1, lançado neste ano, também é para essa finalidade.

Há ainda os nanossatélites, que fazem parte do projeto de desenvolvimento de missões espaciais com foco científico, tecnológico e educacional apoiados pelo MCTI e parceiros. Com padrão CubeSat, eles são plataformas padronizadas mais baratas e acessíveis e de rápido desenvolvimento. No Brasil, suas aplicações têm sido, principalmente, com foco em pesquisas e capacitação de recursos humanos e operacionais.

O último foi enviado em órbita baixa pelo lançador russo Soyuz-2 em março deste ano.

Imagem da cidade do Rio de Janeiro captada pelo Amazonia-1

Chamado de NanosatC-BR2, ele tem 1,72 kg de massa e vai monitorar no geoespaço a intensidade do campo geomagnético e a precipitação de partículas energéticas ionizantes, além de qualificar no espaço suas cargas úteis tecnológicas. Seu desenvolvimento começou em 2014 e contou com a participação de vários alunos de graduação e pós-graduação.

Um dos alunos de pós-graduação, que concluiu seu mestrado em janeiro no Inpe, é Danilo Pallamin de Almeida. Ele participou do projeto de 2018 até a integralização do satélite no final de 2020. E foi graças ao NanosatC-BR2 que o engenheiro conseguiu seu atual emprego. Ele trabalha com pequenos satélites na Endurosat, uma empresa instalada na Bulgária.

Formado em Engenharia Mecatrônica na EESC, em 2016, Danilo começou a se envolver com o mundo aeroespacial em casa. A paixão do pai, José Sérgio Almeida, pela área espacial acabou influenciando o filho. Desde a escolha da universidade ao trabalho com satélites.

Ainda na graduação, Danilo fez parte do Zenith, um grupo extracurricular que reúne alunos da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) focados na construção de satélites e sondas aeroespaciais. Além do Zenith, ele ainda fez iniciação científica no Inpe, que acabou se tornando seu Trabalho de Conclusão de Curso na USP.

“A Engenharia Mecatrônica foi a melhor graduação que eu poderia ter feito para trabalhar nessa área, porque vemos um pouco da mecânica, eletrônica e da computação. E o satélite é basicamente a integração de tudo isso. Na Engenharia de Sistemas, que foi o meu mestrado e onde atuo hoje, vemos o projeto como um todo e suas interfaces. Eu sei onde buscar para ir mais a fundo nessas áreas, tenho a base para entender todas as partes do satélite”, conta.

 

Equipe do Inpe que atuou no desenvolvimento do NanosatC-BR2 - Foto: Arquivo pessoal

Quem orientou o Danilo tanto na iniciação científica quanto no mestrado foi a bacharel em Ciência da Computação, Fátima Matiello. Ela é egressa do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) e também esteve à frente do projeto NanosatC-BR2.

“Muitas universidades desejam fazer nanossatélites em parceria com o Inpe para fazer integração e testes. O NanosatC-BR2 foi como um estudo de caso para estabelecermos processos para isso”, diz Fátima.

Ela entrou no Inpe para fazer mestrado em Telecomunicações e Sistemas Espaciais, logo após se formar na USP em 1980. A escolha de trabalhar com pesquisa espacial veio um pouco pela influência de séries televisivas sobre o tema. Inicialmente, seu trabalho no Inpe estava relacionado com a operação de satélites e controle, ficando muitos anos na divisão de sistemas de solo. No doutorado, enveredou para sistemas embarcados e, hoje, está à frente da coordenação de Ensino, Pesquisa e Extensão (Coepe) do Inpe.

Como é feito um satélite

A construção de um satélite começa com o planejamento. Ele será desenhado de acordo com a missão de sua destinação. Ele é composto de dois módulos que, geralmente, se dividem em duas grandes partes: o módulo de serviço e o de carga útil. O primeiro é o responsável pelo funcionamento do satélite e tem a bateria, computadores de bordo, entre outros. No de carga útil, são acoplados os subsistemas relacionados à missão do satélite, como câmeras, experimentos, etc.

O Amazonia-1, por exemplo, conta com geradores solares, sistemas de propulsão, câmeras, antenas e um gravador digital de dados. Esses equipamentos são montados e testados. É preciso simular todas as condições que o satélite irá vivenciar no espaço e prever eventualidades.

 

José Pott se formou em Engenharia Elétrica na EESC em 1987 e fez mestrado no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. Há sete anos começou a trabalhar no Inpe. Ele atua em um setor em que ocorre a montagem, a integração de todos os subsistemas e o funcionamento dos satélites. Ele é responsável por alguns subsistemas: supervisão de bordo, que é o computador principal; equipamento que grava as imagens; controle térmico, que visa a manter o satélite dentro das faixas de temperatura.

“Cada equipamento tem que estar em uma faixa de temperatura correta, às vezes, o satélite está no sol, ou na sombra, então ligamos aquecedores e desligamos de acordo com o momento onde ele está”, explica.

Outra função do engenheiro é testar os sistemas em laboratório. Ele realiza três testes: de emergência, de lançamento e de rotina. Os testes permitem antecipar eventuais problemas que possam ocorrer desde o momento do lançamento do satélite, qualquer sistema que pare de funcionar, ou o uso diário do equipamento.

Depois do lançamento do satélite, outra equipe comanda os trabalhos, acompanhando os dados e a performance.

Conheça outros egressos da USP que atuam no Inpe

 

Fernando Antonio Pessotta
Foram 37 anos dedicados ao Inpe, nem mesmo a aposentadoria em 2019 fez Fernando se afastar do instituto. Hoje, ele é colaborador voluntário, um trabalho em que não recebe remuneração, mas dedica dois dias por semana para realizar estudos e pesquisas.

Um cartaz recrutando profissionais da área de engenharia e computação para atuarem no desenvolvimento do primeiro satélite brasileiro em 1982 foi o motivador para ingressar no Inpe. “Não tive dúvidas, me candidatei e, em março de 1982, comecei a trabalhar no Inpe atuando no desenvolvimento de computadores para aplicações espaciais.”

Fernando participou do programa Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), no qual desenvolveu computadores de bordo utilizados nos Satélites de Coleta de Dados (SCDs), os primeiros equipamentos criados no Brasil. Ele também foi responsável pelo sistema computacional e dos computadores do subsistema brasileiro encarregado dos comandos e tratamentos de dados dos satélites do China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS).

Foi também o responsável pelos contratos com a indústria nacional para fabricação dos computadores que equiparam os cinco primeiros satélites do programa.

Guilherme Venticinque

O Inpe tinha acabado de lançar com sucesso o primeiro satélite brasileiro, o SCD-1, em 1993, quando Guilherme se inscreveu para uma bolsa no Laboratório de Integração e Testes (LIT) do instituto.

A leitura de uma matéria sobre lançamento do satélite o impressionou na época e, naquele momento, não poderia imaginar que estaria envolvido no desenvolvimento de muitos satélites do Inpe, como o SCD-2, CBERS-1, CBERS-2, CBERS-2B, CBERS-3, CBERS-4, CBERS-4A e Amazonia-1.

“Todos eles foram importantes para minha carreira, mas, de todos, o que eu mais me engajei foi o último, o Amazonia-1, pois foram cinco anos de muito trabalho atuando como gerente de montagem, integração e testes”, conta o engenheiro que está há 28 anos no LIT.

Da época da faculdade, ele destaca que morar em São Carlos e estudar na USP foi marcante na sua vida e carreira profissional. “O curso de Engenharia na EESC-USP me deu a base e visão da engenharia e a responsabilidade da nossa formação. Além da formação acadêmica, o convívio no campus de São Carlos era muito acolhedor e propiciava uma ótima experiência e desenvolvimento pessoal. Fiz muitos amigos lá.”

Marco Antonio Pizarro

Marco atualmente está na Divisão de Eletrônica Espacial e Computação da Coordenação-Geral de Engenharia, Tecnologia e Ciência Espaciais do Inpe. Mas seu envolvimento com pesquisa e desenvolvimento espacial começou já na graduação e ali se estabeleceria seu futuro profissional.

“Foram as atividades desenvolvidas ao longo da iniciação científica entre os anos de 1980 a 1982 no Instituto de Física de São Carlos – USP, na área de eletro-óptica, em paralelo com a graduação”, conta. No ano seguinte, após se formar na USP, entrou no Inpe e participou da integração e testes funcionais e ambientais dos sensores, subsistema do controle de atitude, para os três Satélites de Coleta de Dados (SCD1, SCD2 e SCD 3) para a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB).

O seu mais recente trabalho foi no projeto do satélite Amazonia-1, lançado em 28 fevereiro de 2021. Marco ficou responsável pelo módulo de carga útil da câmera imageadora multiespectral Wide Field Imager (WFI) do satélite.

Hérika Dias, do Jornal da USP


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